A maioria das pessoas tende a fugir das tempestades, mas Bruno Gonçalves faz precisamente o contrário – vai atrás delas para conseguir as melhores fotografias.
Este caçador de tempestades português relata ao Guia das Profissões a sua experiência a “caçar” e fotografar tornados e outros fenómenos atmosféricos extremos. Uma atividade que é, sobretudo, uma paixão, mas que já lhe rendeu vários prémios internacionais.
Guia das Profissões – O que é mesmo um caçador de tempestades? Pode-se viver disso como profissão?
Bruno Gonçalves – Muito dificilmente. É mais um hobbie. O caçador de tempestades, o storm chaser, está mais implementado nos EUA, e é uma pessoa que vai em busca das tempestades. Ao contrário de todas as outras pessoas ditas “normais” que tendem a fugir de uma trovoada muito forte, de um tornado, o caçador de tempestades tenta ir em busca desse tipo de fenómenos, ou para observar, ou para fotografar, ou para reportar para os serviços de meteorologia. Há também quem faça estudos… Mas há muitas pessoas que fazem isto apenas pela pura adrenalina, e para tentar fotografar ou fazer vídeos deste tipo de eventos.
Guia das Profissões – Chegou a acompanhar o tornado Alley nos EUA, em 2019, e outras tempestades de grandes dimensões. Há algum episódio mais memorável que o tenha marcado especialmente?
Bruno Gonçalves – É a sexta vez que lá vou. Para além de todas aquelas trovoadas severas em 2015, no primeiro ano em que lá estive, quase no último dia da viagem, antes de regressarmos, tivemos uma trovoada fantástica à nossa frente, já de noite, com os raios uns atrás dos outros… Nós sozinhos ali, no meio do campo. Fotografar todo aquele fenómeno foi memorável! Até porque foi a primeira vez que vimos algo semelhante.
Guia das Profissões – Mais recentemente, voltou aos EUA para “caçar” tornados?
Bruno Gonçalves – Neste momento, estou mesmo a levar outras pessoas comigo que também estão interessadas na fotografia e nas tempestades.
Guia das Profissões – Excursões para ver tempestades?
Bruno Gonçalves – Sim, as “StormChasing Tours“. Este ano, vimos um tornado em formação e a passar perto de nós, mas sempre em segurança, claro. Conseguimos dar esse objetivo ao grupo, a pessoas que nunca tinham visto um e que o conseguiram presenciar. Foi um momento também magnífico! Há dois anos, assistimos mesmo a um tornado de grande dimensão a formar-se à nossa frente. Esse foi outro dos momentos memoráveis!
Guia das Profissões – O que é que se sente nesses momentos?
Bruno Gonçalves – Viver aquela adrenalina toda de pessoas que nunca tinham visto tal coisa… Mesmo nós, também foi o primeiro grande tornado que vimos em 2022. Foi também uma das experiências marcantes de todos estes anos.
Saber onde estão as tempestades e “onde é que temos de estar”
Guia das Profissões – É preciso alguma preparação especial para ser “caçador de tempestades”, por exemplo, em termos de segurança?
Bruno Gonçalves – Sou Engenheiro do Ambiente e tive uma pequena formação em meteorologia [durante o curso] e ainda autoformação. Também fiz uma formação online com o Storm Prediction Center dos EUA, o equivalente ao nosso IPMA [Instituto Português do Mar e da Atmosfera], uma formação especializada do que eles chamam os “stormspotters” que são as primeiras pessoas a reportar o que estão a ver no terreno ao Serviço Nacional de Meteorologia dos Estados Unidos (National Weather Service – NWS) para depois poderem emitir os avisos de tornado.
Guia das Profissões – Mas a experiência de viver estes fenómenos também ajuda, certo?
Bruno Gonçalves – É preciso saber de forma mais ou menos aprofundada sobre meteorologia e sobre estes fenómenos, como é que se formam e o que leva à sua formação… Porque nós quando lá estamos, temos de fazer parte da previsão…
Guia das Profissões – Da previsão?
Bruno Gonçalves – Hoje estamos aqui em Denver, por exemplo, e as previsões para amanhã dão possível formação de tempestades com potencial para tornado no Kansas, ou mais abaixo no Texas, ou em Oklahoma… Portanto, temos de conseguir fazer essa previsão, embora nos baseemos também na previsão do Storm Prediction Center – mas eles dão uma previsão muito generalizada. E, portanto, temos de perceber quais são os pontos principais para conseguirmos ver alguma coisa de relevo.
Guia das Profissões – Já existem softwares neste campo que permitem acompanhar as tempestades?
Bruno Gonçalves – Há todo um acompanhamento real que se faz das tempestades. Temos um software no computador que nos permite o acesso em tempo real às imagens de todos os radares nos EUA. Depois também há a experiência que vamos adquirindo… As tempestades começam a aparecer nessa imagem de radar, vamos conseguindo perceber quais são as que têm, ou não, potencial para lançar supercélulas [[um tipo de tempestades caracterizado por uma corrente de ar ascendente a girar no interior da nuvem] que podem originar, ou não, os tornados. E conseguimos sempre perceber onde é que elas estão, onde é que nós estamos relativamente às tempestades, e onde é que temos de estar para manter sempre o máximo de segurança.
“Não me dá medo, dá-me paz”
Guia das Profissões – Mas quão perto é que fica de um fenómeno como um tornado, por exemplo?
Bruno Gonçalves – Faço muitas fotografias e timelapse das tempestades e, portanto, o meu objetivo é estar sempre um pouco afastado da tempestade em si, para conseguir apanhar toda a estrutura, toda a envolvência da supercélula. Fico um bocadinho mais afastado, de forma a ver o tornado se ele se formar, para fotografar da melhor forma. Portanto, consigo garantir alguma folga e alguma segurança. E quando estamos a levar outras pessoas que nunca fizeram aquilo, a prioridade é sempre a segurança do grupo.
Guia das Profissões – Que tipo de pessoas é que procuram estas excursões a tempestades?
Bruno Gonçalves – Fotógrafos e pessoas que gostam de tempestades e que querem viver aquelas emoções, toda aquela adrenalina, a aventura… A viagem não é só fotografar, não é só ver, é todo o processo, desde a previsão à preparação… É também viver a experiência não ao sabor do vento, mas das tempestades, o que permite correr vários dos Estados do interior centro dos EUA, para ir em busca de todas aquelas sensações.
Guia das Profissões – E não há medo no meio desta busca?
Bruno Gonçalves – A mim não me dá medo, dá-me calma, dá-me paz. É um bocado contraditório, eu sei, mas estar ali presente com aquela força da natureza, presenciar a parte da teoria da dinâmica da atmosfera e ver aqueles fenómenos a trabalharem em conjunto e a formarem aquela tempestade à nossa frente… Não tenho medo – muito respeito, obviamente! Estamos a presenciar situações com muito potencial de destruição. Mas sabemos que temos de estar sempre em segurança. E o mais perigoso não é estar perto de um tornado. Fazemos muitas horas de estrada – às vezes, temos dias em que fazemos 800, 900, ou até mil quilómetros por dia -, e é mais perigoso andar na estrada por causa dos acidentes que podem acontecer.
Tempestade de areia pode ser mais perigosa do que tornado
Guia das Profissões – Há profissionais que arriscam mais porque precisam mesmo de estar no “olho do furacão”…
Bruno Gonçalves – Obviamente que aqueles que estudam de forma mais intensa este tipo de fenómenos, e que colocam sensores para medir a passagem do tornado, aproximam-se o mais perto possível e esses sim, correm um maior perigo. Nós damos sempre aquela folga e acabamos por estar mais afastados. Temos sempre as coisas mais ou menos controladas.
Guia das Profissões – E nunca há imprevistos? Ou surpresas desagradáveis?
Bruno Gonçalves – Há sempre alguns imprevistos… Mas nestes seis anos que já lá estive [a observar tornados nos EUA], houve uma ou outra situação com um pouco mais de adrenalina e apreensão, mas nunca fora de controle e de grande perigo. Estivemos sempre perfeitamente seguros. Mas passamos por uma tempestade de areia em 2022, daquelas em que, de um momento para o outro, se deixa de ver a estrada. Estávamos a conduzir e, num segundo, veio aquela nuvem carregada de poeiras e areias , e deixámos de ver a estrada. Esse tipo de situações é que podem causar mais perigo do que o próprio tornado.
Vídeos premiados a nível internacional
Bruno Gonçalves trabalha como Engenheiro do Ambiente, mas sempre que pode vai à “caça de tempestades”. Este algarvio apaixonado pelos fenómenos extremos da atmosfera já venceu vários prémios como fotógrafo e “timelapser“.
Em 2023, o vídeo “Cumbre Vieja – The Fire From Within” sobre a erupção do vulcão na ilha de La Palma, nas Canárias, venceu o prémio da categoria “Natureza e Paisagem” no Los Angeles Timelapse Film Festival. Este vídeo que reúne cerca de 19.000 fotos registadas em 2021, também foi o “Melhor Filme Timelapse“ no Barcelona Planet Film Festival, e o “Melhor Documentário Curto” no Festival Solidário Todos Com La Palma.
O vídeo “Atmós” que reúne cerca de 18.000 fotos captadas durante o tornado Alley, nos EUA, em 2019, também foi premiado no Festival de Los Angeles com o terceiro lugar na categoria “Natureza e Paisagem”.
“Uma paixão que foi crescendo desde pequeno”
Guia das Profissões – Como é que começou esta sua paixão pelas tempestades e pelos fenómenos atmosféricos extremos?
Bruno Gonçalves – Desde pequeno, desde que vi a primeira grande trovoada que passou por cima da cidade, com os raios a caírem perto. Nessa altura, causou-me medo. Mas, ao mesmo tempo, despertou ali qualquer coisa, ficou ali a semente. E a partir daí, sempre que havia uma trovoada, ia espreitar à janela – a curiosidade já era maior do que o medo. Foi uma paixão que foi crescendo. Depois, mais tarde, conheci outras pessoas num fórum [online] de meteorologia em Portugal, que tinham também o mesmo gosto, a mesma maluquice, e começámos a aprofundar mais o assunto. Passei de observar à janela a pegar no carro para tentar ir ter com as trovoadas, até hoje que já vou aos EUA para ver estas maravilhas da atmosfera.
Guia das Profissões – A fotografia é outra paixão sua, mas continua a trabalhar na sua área de formação como Engenheiro do Ambiente?
Bruno Gonçalves – Sim, é a minha atividade principal. Só nos EUA, é que é possível viver só disto. Já vendi fotografias e tenho feito algumas exposições também.
Guia das Profissões – Mas gostava de poder dedicar-se mais a essa atividade como caçador de tempestades?
Bruno Gonçalves – Seria bom crescer e trazer mais algum retorno do investimento que é feito. Mas, neste momento, é mais uma paixão do que outra coisa qualquer.
Prémios são “reconhecimento” pelo investimento feito
Guia das Profissões – Os vídeos que faz em “timelapse” exigem um grande investimento, nomeadamente de tempo – tem de recolher as imagens e montar tudo. É moroso?
Bruno Gonçalves – Sim, para conseguir um conteúdo excelente, para tentar fotografar e fazer uns “timelapses”… É o investimento de lá ir, tempo de lá estar, o preparo e todo o trabalho que dá. Temos de editar todas as fotos que são captadas, transformar depois em vídeo, editar e fazer ali o puzzle do vídeo.
Guia das Profissões – Os prémios acabam por compensar por todo esse trabalho?
Bruno Gonçalves – Servem mais como reconhecimento do trabalho que foi feito.
Guia das Profissões – Quanto à técnica do “timelapse“, pode explicar um bocadinho em que consiste de forma simplificada?
Bruno Gonçalves – Consiste em fazer fotografia em sequência. Portanto, tiramos várias fotografias com um determinado intervalo de tempo – eu costumo tirar com um segundo de intervalo. Temos de tirar 300, 400 fotografias de seguida que, depois de editadas, vão dar 8 a 9 segundos de vídeo, e que, como foram captadas de um a um segundo, dão uma imagem que parece acelerada da formação de uma nuvem, por exemplo – daí o termo “timelapse“. Consegue-se perceber muito bem a evolução e o crescimento das nuvens, a evolução de uma trovoada…
“A foto com que todos os calçadores de tempestades sonham”
Guia das Profissões – Que conselhos daria a alguém que gostasse de seguir as suas pisadas como Fotógrafo e Videomaker?
Bruno Gonçalves – Hoje em dia, há muitos cursos de fotografia, muitos cursos online também. Ver qual é a área de que gostam mais – há pessoas que fazem fotografia de retrato, outras fazem fotografia de eventos, de casamentos…. Há uma série de nichos onde se podem especializar, digamos assim. Portanto, é fazer o máximo de formação, estudar o máximo possível, e, obviamente, a prática: tirar muitas fotografias para ir ganhando experiência e aprofundando conhecimentos.
Guia das Profissões – Neste momento, está a trabalhar nalgum grande projeto que queira revelar?
Bruno Gonçalves – Como ganhei um conhecimento a fazer “timelapses” para tempestades, estou a fazer “timelapses” de longa duração para acompanhamento de obras de construção civil. É colocar uma câmara fixa num determinado local da obra e acompanhar a sua evolução durante um ano, dois anos, seja qual for a duração, para depois fazer um vídeo com “timelapses” e imagens de drone, por exemplo. Dá sempre uns vídeos muito interessantes. Neste momento, tenho vários trabalhos em curso nessa área.
Guia das Profissões – Também é importante em qualquer área profissional, ter capacidade para se adaptar ao mercado?
Bruno Gonçalves – Sim, é saber aproveitar os conhecimentos, aplicando-os noutro tipo de trabalho, para tentar obter algum retorno.
Guia das Profissões – Qual é o vídeo ou a fotografia que gostaria de registar e ainda não conseguiu?
Bruno Gonçalves – Gostaria de captar, afastado o mais possível, um tornado a formar-se. Seria uma foto com que todos os caçadores de tempestades sonham. Já tenho fotografias dos tornados, mas estamos ali próximos. Agora, apanhar toda a estrutura da super-célula – e, normalmente, são sempre muito fotogénicas – com o tornado formado abaixo, é a chamada “foto de livro de meteorologia”. Seria uma das fotos que ainda me faltam conseguir captar.