A atleta Filipa Martins foi um dos destaques de Portugal nos Jogos Olímpicos Paris 2024 ao fazer história na ginástica artística. Em entrevista ao Guia das Profissões, conta o segredo para o seu sucesso numa modalidade que é amadora em Portugal.
Filipa Martins, de 28 anos, foi a 20.ª na final ‘all around‘ de ginástica artística, onde competiu ao lado de Simone Biles, a maior atleta da modalidade. Foi o melhor resultado de sempre da ginástica portuguesa e por isso, sabe a medalha para a atleta do Acro Clube da Maia que é também a melhor ginasta portuguesa de sempre.
Mas nem tudo são rosas numa modalidade desportiva intensa e muito exigente. Filipa Martins já foi operada cinco vezes aos tornozelos. Resiliência é a palavra-chave para chegar ao sucesso e é um dos trunfos da atleta portuguesa – não é à toa que tem a palavra tatuada numa das mãos.
Além disso, estar rodeada das pessoas certas também ajuda muito, bem como trabalhar no duro e acreditar nos sonhos, revela a atleta em entrevista ao Guia das Profissões. No fim de tudo, os esforços compensam – e quando se faz o que se gosta, tudo fica mais fácil.
Muita resiliência e fazer o que se gosta
Guia das Profissões – 0 seu 20.º lugar na final “all around” da ginástica artística nos Jogos Olímpicos Paris 2024 sabe a uma medalha? Isto depois de todos os sacrifícios e esforços que fez…
Filipa Martins – No final, levamos isto tudo como um objetivo concretizado. Já tínhamos este objetivo de conseguir estar na final desde os Jogos de Tóquio [em 2020, onde foi 43.ª no ‘all around‘]. Conseguir agora concretizar esse objetivo foi muito bom, muito positivo.
Guia das Profissões – Enfrentou também algumas lesões na preparação para o torneio olímpico…
Filipa Martins – Sim. Já há alguns anos que os meus tornozelos têm estado mais frágeis, têm algumas cirurgias também. Por isso, devido à quantidade de anos em que pratico ginástica, os treinos também têm de ser um pouco mais medidos, mais controlados, e nem sempre conseguimos realizar a preparação da forma que queremos. Mesmo assim, correu bastante bem.
Guia das Profissões – Ser atleta também exige, de alguma forma, saber sofrer…
Filipa Martins – Sim… Não é bem sofrer porque acabamos por estar a fazer aquilo que gostamos. Mas claro que chega a um certo nível em que as mazelas começam a chatear um bocadinho.
Guia das Profissões – E em Paris, como foi competir ao lado da Simone Biles que é já uma lenda da ginástica artística mundial?
Filipa Martins – Foi uma experiência muito positiva. Já tinha acontecido também no Campeonato do Mundo, na final “all around“. O ambiente é sempre diferente, com muitos americanos na bancada, muito barulho, muitos festejos…. Então, é sempre um momento muito bonito de ver e, principalmente, quando estamos a competir ao lado dela.
“Apareceram pessoas que apostaram em mim e me ajudaram a ter sucesso”
Guia das Profissões – Ser atleta em Portugal, é difícil, sobretudo devido à falta de apoios e até de infraestruturas de treino. Como é que conseguiu alcançar o sucesso, ainda para mais conciliando a ginástica com os estudos?
Filipa Martins – Na minha vida, apareceram pessoas que apostaram em mim e que me ajudaram a chegar onde cheguei. Digo muitas vezes que faltam apoios e estrutura para a nossa modalidade conseguir crescer, não só uma pessoa, mas mais gente, mais ginastas…. Espero conseguirmos, um dia, ter uma equipa.
Guia das Profissões – Referiu pessoas que apostaram em si. Quer concretizar?
Filipa Martins – Tive o privilégio de, em 2014, quando eu ainda não era ninguém, ter o fisioterapeuta Rogério Pereira da Clínica Espregueira Mendes que apostou em mim, que me quis ajudar. E até hoje sou apoiada por esta clínica, e tenho a certeza de que isso foi fundamental para eu estar a conseguir realizar os meus objetivos. Houve algumas pessoas que foram aparecendo na minha vida, que me foram ajudando a conseguir ter maior sucesso. Mas muitas atletas não conseguem ter esse apoio.
Guia das Profissões – Aliás, a Filipa fala muitas vezes no “nós”, “nós conseguimos”, “nós fizemos”, nas entrevistas que dá. Apesar de a ginástica ser um desporto individual, realmente é preciso uma equipa por trás para um atleta conseguir atingir resultados.
Filipa Martins – Claro. Preciso também dos meus treinadores porque, sem eles, não conseguia chegar onde cheguei.
Guia das Profissões – Atualmente, fala-se muito da saúde mental no desporto, com vários atletas a assumirem problemas neste âmbito. A Filipa também tem apoio de um psicólogo desportivo?
Filipa Martins – Não. Nós aqui temos de ir um bocadinho ao encontro das nossas necessidades, temos que ir atrás delas e temos de ser nós a pagá-las. Por isso, acho que me consegui rodear de pessoas que me têm ajudado também a estar bem mentalmente – a minha família, os meus amigos… E tenho conseguido estar na melhor forma.
“Chegar a este nível é duro e dá trabalho”
Guia das Profissões – E acha que podemos sonhar com outra Filipa Martins a breve prazo? Até por influência dos seus resultados extraordinários…
Filipa Martins – Eu gostava muito que isso acontecesse. Temos muitas atletas na Seleção e nos últimos anos, temos conseguido ter cada vez mais seniores, ou seja, também conseguimos ter ginastas mais velhas. Mas não é tudo, e conseguir chegar a este nível é duro, é difícil, dá trabalho – não só para os treinadores como também para os atletas.
Guia das Profissões – Não nos podemos esquecer de que a ginástica é uma modalidade amadora…
Filipa Martins – Os nossos treinadores acabam também por não serem profissionais disto. Todos eles têm empregos e vão dar o treino ao final do dia como extra. Por isso, enquanto os treinadores também não forem profissionais e não se conseguirem dedicar a 100% a serem treinadores, também ficará difícil para conseguir o resto.
A maior ginasta portuguesa de sempre
Futuro profissional passa por ser treinadora
Guia das Profissões – E quanto ao futuro, ainda poderemos vê-la nos próximos Jogos Olímpicos?
Filipa Martins – Agora estou a usufruir deste momento que foi tão bom, do carinho das pessoas… O corpo precisa de descansar bastante, o corpo e a cabeça. Também queria muito acabar o mestrado este ano. Por isso, só depois de tudo isso passar é que vou refletir um bocadinho sobre o futuro, sobre o que quero fazer e sobre o que será melhor também.
Guia das Profissões – A questão do futuro profissional é, muitas vezes, o que mais assusta os atletas porque a carreira desportiva é curta e só em poucos casos é que dá para enriquecer. A Filipa está a tirar o mestrado em Treino Desportivo. O seu futuro passa por ser treinadora de ginástica?
Filipa Martins – Sim…. Continuarei ligada à modalidade e estou a tirar o mestrado em Treino Desportivo de Alto Rendimento para ser treinadora um dia, e quem sabe, conseguir levar alguém ao nível em que eu estou, e onde os meus treinadores me conseguiram colocar também.
Guia das Profissões – A carreira de treinadora é uma saída segura, dado o seu percurso, ou é também um sonho de certa forma?
Filipa Martins – No treino com as minhas colegas, sempre gostei muito de ajudá-las, para elas entenderem, ou para passar um pouco da minha experiência, do que eu sentia… Sempre gostei de dar esse feedback e de sentir que consigo ajudar as miúdas a crescerem, a perceberem melhor as coisas… Não foi bem um sonho, mas, desde cedo, foi algo de que gostava – ser treinadora. Por isso, quem sabe… Mas acho que ainda falta um bocadinho para isso.
Guia das Profissões – Ainda terá, certamente, vários anos de atleta pela frente…
Filipa Martins – Infelizmente, em Portugal, é tão difícil viver como atleta como viver como treinadora de ginástica. Mas, na altura, saberei o que fazer melhor.
Guia das Profissões – É a questão da falta de apoios. Faltará investimento da parte do Estado na ginástica artística, mas também dos clubes, não é?
Filipa Martins – Exatamente.
Guia das Profissões – Os clubes que investem na ginástica em Portugal, são, muitas vezes, mais pequenos. Os clubes grandes do futebol, por exemplo, que têm mais dinheiro, têm esta modalidade?
Filipa Martins – Não. Alguns têm ginástica acrobática… Mas a ginástica artística é um investimento muito grande porque os nossos aparelhos acabam por ser bastante caros e precisam de bastante manutenção. Por isso, compreendo que também não é fácil. Para os clubes grandes também não era assim tão difícil! Mas é uma modalidade que não tem visibilidade, não dá retorno, e acho que é um bocadinho cultural.
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“Somos muito maiores do que aquilo que às vezes imaginamos”
Guia das Profissões – Que conselho é que dá aos mais jovens que têm o sonho de ser atletas?
Filipa Martins – Que lutem sempre pelos seus sonhos. Se têm algum sonho ou objetivo, que trabalhem para o alcançar. Muitas vezes, vai ser mais difícil do que fácil, mas no final, valerá a pena. Por isso, lutem sempre!
Guia das Profissões – Já agora, como é que chegou à ginástica artística?
Filipa Martins – Eu comecei com quatro anos no Sport Clube do Porto que ainda hoje tem as suas instalações na Faculdade de Desporto. Foi através da mãe de uma colega minha do infantário que ainda é professora lá. Perguntou-me se eu não queria experimentar e comecei assim.
Guia das Profissões – E, portanto, deve-se começar o mais cedo possível?
Filipa Martins – Isso depende de cada pessoa, de cada criança e de cada talento. Temos campeãs olímpicas que começaram só aos sete anos – não em Portugal, claro. Quanto mais cedo se começar a praticar alguma coisa, melhor. Mas também já tivemos casos de começarem um bocadinho mais tarde, 6, 7 anos, e serem ótimas atletas na mesma.
Guia das Profissões – Tem uma mensagem final que gostasse de partilhar? Com os mais jovens, com os portugueses…
Filipa Martins – Queria só dizer que somos muito maiores do que aquilo que às vezes imaginamos que conseguimos ou que somos.
Fotos cedidas por Filipa Martins.