O “quiet quitting” é um dos assuntos do momento, tomando conta das redes sociais e dos títulos dos jornais. Mas o que é isto afinal e o que significa verdadeiramente? Entenda aqui.
A expressão do momento, em termos de mercado de trabalho, é o “quiet quitting“. A tradução literal da frase significa algo como a “demissão silenciosa” em português.
Mas, na verdade, mais do que à demissão de um posto de trabalho, o conceito refere-se antes a uma espécie de revolta contra as exigências do mercado laboral atual.
Nos dias que correm, os trabalhadores são desafiados constantemente a darem “o litro”, ou seja, o melhor de si mesmos, indo para lá das suas competências e funções.
Contudo, depois da pandemia de covid-19, muitas pessoas acabaram a repensar as suas vidas, questionando a entrega ao trabalho e os sacrifícios pessoais feitos, inclusive em termos familiares.
Neste âmbito, também surgiu o fenómeno da “Grande Demissão”, com milhares de pessoas, em todo o mundo, a deixarem os seus empregos.
Porém, nem todos se puderam dar a esse luxo de se demitirem de empregos pouco satisfatórios. Por isso, alguns trabalhadores estão a optar pela via do “quiet quitting“, uma espécie de demissão de funções, sem haver efetivamente uma demissão.
Afinal, o que é o “quiet quitting“?
Essa tendência do momento refere-se à ideia de fazer o mínimo possível no trabalho. Portanto, trata-se de cumprir o horário e de exercer as funções mais básicas exigidas, sem grande esforço para mais.
Imagina o teu colega de trabalho mais dedicado, aquele que fica sempre para lá do horário, para completar tarefas, e que é capaz até de levar dossiers para terminar em casa. O “quiet quitting” é exactamente o oposto disso!
Trata-se, no fundo, de pôr tudo o resto acima do trabalho e da carreira profissional. Como se se desistisse dessa ideia de sucesso que nos obrigada a dar o máximo todos os dias, sempre na ânsia de mostrar mais com foco na progressão na carreira e em conseguir melhores resultados.
É o fim da obsessão pelo trabalho, dando primazia aos aspetos profissionais da vida. Assim, mal “toca” a hora de sair, desligam o computador, o email e o Slack, fecham a porta do escritório e recusam-se a pensar mais no trabalho até ao dia seguinte.
Como se explica o “quiet quitting“?
O “quiet quitting” tem mais a ver com “maus chefes” do que com “maus trabalhadores”, segundo uma análise de Jack Zenger e Joseph Folkman, consultores na área do desenvolvimento de liderança, para a Harvard Business Review (HBR).
Zenger e Folkman entendem que são, muitas vezes, líderes incapazes que empurram os seus colaboradores para esta tendência, por se sentirem “desvalorizados e pouco apreciados”.
Trata-se, portanto, de uma falta de motivação dos trabalhadores que pode ser alimentada por ações e atitudes de um diretor ou gestor.
Assim, o “quiet quitting” será um sinal último de que o trabalhador não está satisfeito com o seu emprego, ou até resultar de um burnout devido a elevadas doses de stress.
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Uma redefinição existencial
Mas Ranjay Gulati da Harvard Business School considera que estamos mais perante um “great rethink” (algo como um “grande repensar” em português), conforme declarações ao jornal britânico The Guardian.
Portanto, será algo mais “existencial”, como repara na mesma publicação a professora Maria Kordowicz que ensina comportamento organizacional na Universidade de Nottingham, no Reino Unido.
A covid-19 deu-nos uma “sensação da nossa própria mortalidade” e levou-nos a questionar os nossos próprios valores, analisa Kordowicz. “O que é que o trabalho significa para mim?”, é a pergunta que ressoa por aí.
Deste modo, redefinem-se novos limites, para atingir padrões de vida mais satisfatórios e reequilibrar as vidas pessoal e profissional. Porque o trabalho não é “a vida”, como se diz em vários vídeos sobre este assunto no TikTok.
Sinais de quiet quitting
O “quiet quitting” pode manifestar-se de formas distintas, conforme as motivações do trabalhador para esse tipo de comportamento.
Mas quando o colaborador está mesmo insatisfeito, esses sinais podem ser bem visíveis e podem incluir, por exemplo:
- Faltar a reuniões
- Chegar atrasado ao trabalho ou sair mais cedo do que devia
- Menos produtividade do que o habitual
- Menor participação em projetos de equipa
- Falta de participação em reuniões ou no planeamento
- Sem entusiasmo ou paixão pelo trabalho.
Como resolver esta crise?
Perante esta tendência, a grande pergunta é o que podem fazer os empregadores para a contrariar. Em primeiro lugar, é preciso uma liderança forte que seja capaz de dar aos trabalhadores o apoio de que precisam.
Isto passa por fazer sentir cada elemento como parte fundamental da equipa de trabalho, fomentando a certeza de que estão a contribuir para um “bem maior”.
A promoção de uma cultura de empresa que envolva os colaboradores, para que sintam que remam todos para o mesmo lado, é outro ponto fundamental.
E, claro, os salários justos também são uma boa motivação. Afinal, as pessoas valorizam porque é preciso pagar contas e a diversão também custa dinheiro. Mas isso não é tudo. Também querem sentir-se valorizadas e respeitadas.
Assim, receber apoio emocional informal, por exemplo, quando atravessam momentos pessoais difíceis é uma forma de revelar apreciação. Até porque as pessoas não são máquinas, nem meros números.
Não é à toa que as empresas tecnológicas estão a criar ambientes de trabalho cada vez mais descontraídos, com áreas de lazer apelativas e escritórios coloridos, com puffs e “brinquedos” diversos, bem como bebidas e comida grátis. A ideia é criar um verdadeiro espírito de “família”.
O que podem os empregadores fazer:
- Promover ambientes de trabalho híbridos (com alguns dias no escritório e outros em casa)
- Fortalecer o engajamento dos trabalhadores com a empresa
- Aprender a comunicar com os colaboradores
- Envolver os trabalhadores nas grandes decisões da empresa
- Compensar de forma justa a performance individual
- Saber ouvir e entender as frustrações dos trabalhadores
- Manter cargas de trabalho realistas, permitindo conciliar as vidas pessoais e profissionais
- Ajudar a gerir o stress e promover a saúde mental dos trabalhadores
- Definir formas concretas de os colaboradores se sentirem valorizados.
“Quiet quitting” desvirtua a lógica laboral
A filosofia do mercado de trabalho assenta, na maior parte das empresas, na ideia de que quanto mais produtivos os trabalhadores forem, mais ganham e, portanto, mais valorizados são.
A equação é simples:
- Quem trabalha mais, ganha mais
- Quem se acomodar e fizer o mínimo, ganha menos.
Mas, na perspetiva de alguns trabalhadores, essa lógica está a ser desvirtuada. Porque, afinal, nem tudo na vida é dinheiro!
A pandemia de covid-19 veio mostrar como o nosso mundo pode desabar de um dia para o outro. No fim de contas, o que é realmente importante? O “quiet quitting” coloca o dedo na ferida dessa inquietação e é a constatação de que há mais vida para lá do trabalho, da carreira e do sucesso profissional.