No Dia Internacional da Animação que se assinala neste dia 28 de outubro, o Guia das Profissões foi falar com o realizador português Cláudio Jordão que tem curtas-metragens de Animação premiadas a nível internacional e que nos conta como começou a “animar” as suas histórias.
Guia das Profissões – É Realizador e Animador há 20 anos, e também trabalhou em conteúdos publicitários e televisivos. Qual é a sua atividade principal nesta altura?
Cláudio Jordão – Desde há relativamente três anos, tenho-me dedicado, principalmente, a curtas-metragens de Animação. Comecei a minha atividade em 1997. Fui uma das primeiras levas saídas do curso de Design da Universidade do Algarve. Formei a primeira empresa de multimédia no Algarve, com três amigos e colegas do curso.
Guia das Profissões – Essa empresa, a Pantapoiein, já se dedicava à área da Animação?
Cláudio Jordão – Trabalhávamos em Animação, mas, naquela altura, em 1997, não havia muita noção ainda do que podia ser trabalhar em Multimédia. Eram tempos muito diferentes. A diferença era bastante grande em relação ao que se faz e se sabe hoje nesta área.
Quem é Cláudio Jordão?
Diretor de Animação há duas décadas, Cláudio Jordão tem também experiência com conteúdos publicitários e televisivos.
Cofundou a primeira empresa de multimédia e 3D no Algarve em 1997, a Pantapoiein, e foi Motion Designer na agência de publicidade FCB.
É ainda cofundador do estúdio de Animação Kotostudios.
Foi igualmente Professor de Animação na Universidade do Algarve e está ligado à Kinostrum – Associação Cultural Fílmica, uma associação sem fins lucrativos que se dedica à divulgação do Cinema, principalmente em sítios pouco desenvolvidos.
“Na minha infância, a Animação era magia!”
Guia das Profissões – O cinema de Animação é a sua verdadeira paixão?
Cláudio Jordão – Sim, é. Na Universidade descobri uma ferramenta que achei que poderia utilizar, que seria interessante desenvolver, e que ainda uso hoje – o 3D Studio Max. Descobri este software de Animação um pouco à “boleia” de coisas como o AutoCAD [software de desenho auxiliado por computador] e, portanto, as primeiras coisas que fizemos eram maquetes virtuais de Arquitetura. Era o que se fazia com maior frequência.
Guia das Profissões – Mas foi só na Universidade que lhe surgiu esse interesse pela Animação?
Cláudio Jordão – Há aqui uma linha de aprendizagem, de descoberta… Sempre gostei de desenhar. Na minha infância, animar era uma coisa que eu achava demasiado mágico! Nem sabia sequer como é que se fazia.
“Ficava fascinado com o enorme Vasco Granja!”
Guia das Profissões – Que figuras é que o inspiravam nessa altura?
Cláudio Jordão – Ficava altamente fascinado, por exemplo, com o enorme Vasco Granja [apresentador da RTP conhecido por divulgar cinema de Animação entre 1974 e 1990]. Lembro-me de ver um outro programa de televisão do Júlio Isidro em que ele convidou uma pessoa da Walt Disney para mostrar como é que era o processo de criação de um filme. Lembro-me desse artista folhear umas páginas com a cara do Pateta e de eu ficar fascinado porque a cara do Pateta mexia-se. Para mim, aquilo era magia!
Guia das Profissões – Foi por isso que acabou por tirar o curso de Artes?
Cláudio Jordão – A Animação ainda não era um objetivo. Só sabia que queria fazer qualquer coisa relacionada com Artes! E mesmo quando cheguei à Universidade, foi o primeiro ano em que apareceu o curso de Design. Portanto, ainda era tudo muito novidade. Só mesmo em 1999, quando tenho acesso a este software e começo a ver coisas que eram feitas a nível internacional, aí é que eu percebi que poderia ser muito interessante.
Guia das Profissões – Lembra-se de algum filme que o tenha marcado especialmente nessa altura?
Cláudio Jordão – Há um extraordinário filme que é o “Toy Story” (1995). Quando saiu, tive quase uma validação em relação ao que eu andava a investigar. A técnica do “Toy Story” [Animação 3D] era aquela que eu estava interessado em desenvolver. Portanto, eu quero fazer isto!
“Fiz o meu primeiro filme quando estava desempregado”
Guia das Profissões – Quando fez o seu primeiro filme de Animação?
Cláudio Jordão – Após alguns anos de Arquitetura e Publicidade, em 2001, achei que seria interessante ver se conseguia contar uma história, e fiz “Os Super Caricas” [2002].
Guia das Profissões – É o seu projeto mais marcante por ser o primeiro?
Cláudio Jordão – Sim, é. Foi o projeto que mudou tudo. Eu conhecia uma pessoa que ainda hoje é o meu produtor – o António Costa Valente, o presidente do CineClube de Avanca e da Filmógrafo, a mais antiga produtora de Animação portuguesa. Mostrei-lhe “Os Super Caricas”, um bocado receoso, para ver o que ele dizia – e foi exibido no [Festival de Cinema de Avanca em Aveiro] no ano seguinte, em 2003.
Guia das Profissões – Foi um ótimo arranque.
Cláudio Jordão – Foi! Ver o primeiro filme na tela e ver a reação das pessoas…. Foi o que me deixou mais feliz! Ver a reação das pessoas e sendo em 3D que era uma novidade… Mudou a minha vida!
Guia das Profissões – Entretanto, várias das suas curtas-metragens de Animação já foram premiadas a nível internacional. Como lida com os prémios?
Cláudio Jordão – São validações em relação à técnica e ao tipo de histórias que fazemos. A identificação das pessoas com as nossas histórias é sempre muito importante. Não é que seja uma linha a seguir – se as pessoas gostam, vou tentar fazer o mesmo. Não sinto dessa forma. O Cinema de Animação permite explorar narrativas de forma bastante diferente.
16 minutos de “Conto do Vento” demoraram 5 anos a fazer
Guia das Profissões – Fazer um filme de Animação é bastante moroso. Pode explicar-nos um bocadinho sobre como é o processo?
Cláudio Jordão – É muito diferente o tempo de produção. Depende sempre do que queremos fazer e como queremos fazer. O projeto mais longo de curtas que tive foi o “Conto do Vento” – uma curta-metragem de 16 minutos que estreou em 2010, e que teve uma série de prémios, esteve presente em vários festivais internacionais…
Guia das Profissões – E quanto tempo demorou a fazer este filme de 16 minutos?
Cláudio Jordão – Esse projeto que ia tentando fazer em paralelo com a minha atividade no Kotostudios, demorou cinco anos a ser feito. Porque não podia estar sempre dedicado a esse projeto. Confesso que, cinco anos depois, já estava muito farto [risos]. E quando acabei essa, fiz uma curta-metragem em três meses!
Guia das Profissões – Portanto, não há uma regra e depende das circunstâncias?
Cláudio Jordão – Depende muito do que se quer fazer. “A Espuma e o Leão” [2022] que foi o meu penúltimo filme, é um caso ainda mais complicado. Demorou mais tempo a ser aprovado do que a ser feito!
“A Espuma e o Leão” ganhou 82 prémios
“A Espuma e o Leão” é, até agora, a “curta” mais premiada de Cláudio Jordão, com 82 prémios em países como Portugal, EUA, Reino Unido, Espanha, Alemanha, França, China, Japão, Tanzânia e México, entre outros.
Além de prémios de Melhor Filme de Animação, venceu também distinções para o melhor argumento, ideia original, realização e efeitos especiais, e ainda melhor voz para a atriz Dalila Carmo.
“Conto do Vento” ganhou, até 2018, 25 prémios, incluindo o de Melhor Curta de Terror Portuguesa no MOTELx – Festival Internacional de Cinema de Terror de Lisboa em 2011. Venceu ainda o Prémio Popular Ibero-Americano no Festival Visões Periféricas no Brasil.
10 anos à espera de financiamento para “A Espuma e o Leão”
Guia das Profissões – Obter financiamento público é a parte mais difícil?
Cláudio Jordão – Infelizmente, o ICA – Instituto do Cinema e Audiovisual é a nossa única fonte de financiamento e faz um trabalho extraordinário. Reparte do Orçamento de Estado dedicado à Cultura para o cinema e é sempre complicado – e ainda bem! – porque há cada vez mais gente a apresentar novos projetos.
Guia das Profissões – Como é feita a seleção dos projetos que são financiados?
Cláudio Jordão – É preciso que estejam muito bem desenvolvidos para que o júri possa avaliar e aprovar. “A Espuma e o Leão” tinha algumas particularidades que não sabia exatamente como fazer e isso não ajudou ao financiamento com brevidade como eu gostava. Demorei 10 anos até que fosse aprovado! Claro que não estive a trabalhar só nisso nesses 10 anos.
Guia das Profissões – A análise do júri tem em conta que tipo de critérios?
Cláudio Jordão – Há uma votação em função de uma série de parâmetros que estão explícitos no Regulamento do Concurso Público. Sabe-se exatamente o que é que o júri vai avaliar – é claro que é sempre subjetivo, depende da pessoa que vai avaliar. A avaliação que recebemos é em função desses parâmetros que têm uma pontuação. Aqueles que tiverem a maior pontuação ficam em primeiro na lista.
Guia das Profissões – E há um número pré-definido de projetos com acesso a financiamento?
Cláudio Jordão – Nas curtas-metragens, normalmente são aprovadas entre 9 a 10, 11… Depende dos orçamentos. Isto numa listagem que ronda entre as 60 a 70 curtas-metragens de Animação [que se candidatam]. No ano em que foi aprovada, “A Espuma e o Leão” ficou em sétimo.
Como nasceu o estúdio de Animação Kotostudios
Guia das Profissões – Em 2007, cofundou o seu próprio estúdio de Animação, o Kotostudios. Porque decidiu dar este passo?
Cláudio Jordão – Foi a minha segunda empresa depois da Pantapoiein com o Nélson Martins, o Délio Mendes e o Nuno Costa, e tivemos uma rápida ascensão em quatro anos. Chegámos a pertencer ao grupo da Cofina e depois [a empresa] foi comprada por outro grupo da multinacional Neoris, com interesses económicos de outra ordem. Mas acabaram por não sentir grande confiança para avançar com o projeto e, portanto, o grupo fechou [em Portugal] e a empresa fechou.
Guia das Profissões – O Kotostudios surge depois disso?
Cláudio Jordão – Depois da desintegração da Pantapoiein em 2003, entrei na agência de publicidade FCB, onde estive durante três anos. Foi um período extraordinário de aprendizagem. Mas estava com vontade de desenvolver projetos pessoais e não tinha muito tempo. Então, reuni-me novamente com o meu ex-sócio da Pantapoiein, Nelson Martins, que andava também com vontade de desenvolver um novo projeto e em 2007, montámos o KotoStudios.
Guia das Profissões – O estúdio só faz cinema de Animação?
Cláudio Jordão – Claro que nos queríamos dedicar mais ao cinema, mas é extremamente difícil. Desenvolvemos vários projetos de publicidade e institucionais. Começámos a trabalhar na “Conto do vento” nessa altura, e durante esse período de cinco, seis anos, não foi muito fácil trabalhar na área do cinema. Porque, entretanto, a crise financeira veio agravar também a nossa vida e tornou-se complicado.
“Quero criar algo que a IA não consiga fazer”
Guia das Profissões – Atualmente, fala-se muito da ameaça da Inteligência Artificial (IA). Estará o cinema ameaçado por estas tecnologias? Já há curtas geradas por IA.
Cláudio Jordão – Sou fascinado pela IA, pelo desenvolvimento a que estamos a assistir, pela qualidade a nível técnico. A nível artístico, ainda é bastante complicado. Percebo que alguns autores se sintam ameaçados, bloqueados, roubados porque as ferramentas de IA são um grande aglomerado de coisas que fazem parte do mundo artístico – desenhos, gravuras, ilustrações, técnicas, animações…
Guia das Profissões – Fala-se muito em extinção de profissões. Não teme que isso aconteça na área da Animação?
Cláudio Jordão – Na área da Animação em específico, embora já não se usem os termos, o processo ainda está lá: antes havia as pessoas que definiam os “key moments“, os momentos chave de cada filme, e depois havia outros animadores, os “inbetweeners“, que sabem que desta imagem x para a imagem y vai acontecer uma ação – alguém que leva a mão à boca ou salta -, e que têm essa função de fazer a animação entre o ponto A e o ponto B, respeitando o traço, a estética e a plástica já definidas. As ferramentas de IA fazem isto!
Guia das Profissões – Estes “inbetweeners” têm, então, o emprego ameaçado?
Cláudio Jordão – Ou são despedidos, ou têm de encontrar forma de se valorizarem. Ainda vejo coisas de IA que são muito lineares: há mil formas de eu pegar numa colher de sopa e de a levar à boca. A IA vai fazer isso da forma mais linear, mas se eu quiser, posso dar uma volta com ela, levantar-me e ir à rua… Na verdade, a IA é um desafio: eu quero criar algo que espero que a IA não consiga fazer.
Como triunfar na Animação: especialização e um estilo próprio
Guia das Profissões – Dentro da Animação, há várias tarefas e profissões que se podem desempenhar. Quem quiser uma carreira nesta área, deve especializar-se no que mais gosta?
Cláudio Jordão – Sim. Eu considero-me um generalista porque faço tudo. Mas o que mais se encontra nos estúdios são especialistas em determinadas áreas. Há especialistas em Iluminação – só fazem iluminação. Especialistas em simulações de tecido, ou só de água, ou de fogo, ou de animação de personagens, de Efeitos Especiais…
Guia das Profissões – É curioso que, há uns anos, diziam-nos que tínhamos de aprender a fazer tudo para vingar no mercado de trabalho. Agora, o segredo é ter um “superpoder”: ser muito bom numa dada área.
Cláudio Jordão – Isso a mim chateia-me! Castra um bocadinho a minha criatividade se só fizer aquilo. Quero fazer várias coisas! Gosto de experimentar. Mas a nível artístico, a pessoa deveria saber qual é o seu estilo.
Guia das Profissões – Ter um estilo único é o grande diferencial?
Cláudio Jordão – Falámos da IA que não tem um estilo, tem muitos. Mas nós deveríamos ter uma marca pessoal. Se virmos, por exemplo, o extraordinário filme “Ice Merchants” (2022) de João Gonzalez, tem um estilo muito marcado. Dá para ver na obra dele, um estilo gráfico e plástico. Se virmos a Laura Gonçalves e a Alexandra Ramires, vencedoras do Festival de Annency 2024 com o filme “Percebes” que está lindíssimo, dá para perceber também um estilo que continua. Eu não tenho! Talvez tenha um estilo de Animação, mas não um estilo em termos plásticos. Não gosto de fazer sempre a mesma coisa. Gosto de variar. Talvez por uma certa ansiedade [risos].
De um sci-fado épico a uma história “muito fora” com Deus
Guia das Profissões – E como é que se inspira para os seus filmes? Como cria as suas histórias?
Cláudio Jordão – “Os Super Caricas” aproximavam-se um pouco da estética do “Toy Story”, um 3D mais assumido. No entanto, a narrativa era uma fusão entre os jogos tradicionais, de brincadeiras com caricas a fazer de carrinhos de corrida, e os jogos eletrónicos antes da Nintendo. Mas o segundo filme que fiz, o “Esperânsia” [2006], é a preto e branco, com contornos marcados, mais próximo da gravura, e não quis assumir o 3D. É uma história de ficção científica – costumo brincar que é o primeiro sci-fado épico!
Guia das Profissões – Duas histórias bastante diferentes do “Conto do Vento”, o seu filme mais premiado.
Cláudio Jordão – O “Conto do Vento” teve uma inspiração muito impressionista. Tinha a ver com um conceito que eu e o Nélson [Martins] queríamos explorar e que nos amedrontava de certa forma: como é que o vento vê – e o vento não vê. Mas sentimos na pele, sentimos em pontos diferentes, com intensidades diferentes.
Guia das Profissões – Há ainda o “15 bilhões de fatias de (-t)+Deus” (2013) que é ainda mais diferente.
Cláudio Jordão – Foi o meu quarto filme e passa-se antes do “Big Bang” – é uma coisa “muito fora”. Foi o que fiz em três meses e queria uma coisa rápida. A aproximação que tive, em termos plásticos, foi a simplicidade, o minimalismo. O filme rodou por uns quantos festivais e esteve em Cannes, não no Festival de Cannes, num outro festival, e ganhou o prémio de “Narrativas Alternativas” que premiava abordagens diferenciadoras. É a história de Deus que quer sair de casa e a sua casa é uma sopa primordial, onde existe um Bosão de Higgs! [risos]
Nova “curta” vai estrear em abril de 2025
Guia das Profissões – E tem algum novo filme para nos apresentar brevemente?
Cláudio Jordão – Fiz uma nova curta-metragem em três meses, entre janeiro e março deste ano. Estava à espera de uma resposta para outro projeto e fiz o “Aluado” de 7 minutos. Estreou no Festival de Cinema de Avanca, mas não posso dizer muito – qualquer coisa que eu diga pode ser um spoiler! [risos] Tem a ver com um astronauta perdido num sistema binário de luas muito estranhas – e acontece algo que o incomoda. É o primeiro onde fiz duas versões – uma versão normal para a tela, e uma versão em Realidade Virtual. Está a começar o circuito normal de festivais…
Guia das Profissões – Já tem planos para o próximo filme?
Cláudio Jordão – Posso dizer que por causa de “A Espuma e o Leão” e do aspeto que tem, a influência e a inspiração na azulejaria, surgiu um convite para desenvolver um projeto novo um pouco na mesma linha. Não quero fazer igual. E não posso dizer ainda muito mais, mas no dia 24 de novembro vai sair o trailer e a estreia está marcada para o final de abril [de 2025].
Três longas-metragens à espera da luz ao fundo da sala
Guia das Profissões – E qual é o projeto que ainda não realizou e que sonha concretizar?
Cláudio Jordão – Tenho três longas-metragens que, um dia, gostaria que vissem a luz ao fundo da sala.
Guia das Profissões – Porque é que ainda não viram?
Cláudio Jordão – Por falta de financiamento. Um é um híbrido entre imagem real e animação – não é muito normal no panorama nacional. Já esteve próximo da aprovação, mas ainda não foi a altura. Há um outro de ficção científica que, pela estranheza e pela diferença, é difícil convencer o júri – mas já esteve em segundo, muito próximo de ser aprovado. E há um outro de animação de que não posso dizer muito.