A Grande Demissão é um fenómeno que começou nos EUA, mas que está a verificar-se um pouco por todo o mundo. Sabes o que é? Vem descobrir e entender como está a afetar o mercado de trabalho…
Dados do Departamento de Trabalho dos EUA, citados pelo portal brasileiro Isto É Dinheiro, revelam que só em Agosto de 2021, 4,3 milhões de pessoas pediram a demissão dos seus empregos no país. Em Setembro do ano passado, o número já ia em 4,5 milhões.
Esta onda de saídas está a ser definida como A Grande Demissão, um fenómeno que também se tem sentido em outros países, como Reino Unido, França e Austrália.
A Forbes falava, há dias, de “uma revolução dos trabalhadores”, notando que estes estão desagradados com as suas condições de trabalho, com os salários e as muitas horas da jornada laboral. Mas o que explica a explosão do fenómeno nesta altura? É isso que vamos tentar perceber…
O que é A Grande Demissão?
Em termos simplistas, A Grande Demissão é o facto de haver um elevado número de pessoas a deixarem os seus trabalhos após a pandemia de covid-19 ter abrandado. Este fenómeno tem levado à falta de mão-de-obra em vários setores e é um novo desafio para as empresas conseguirem reter talentos.
“A Grande Demissão são as pessoas a dizerem, ‘Qualquer que seja a situação, eu quero melhor'”, explica à CNN Business a norte-americana Patrecia Ming Buckley, de 35 anos, uma das milhões de pessoas que pediram a demissão em Agosto de 2021 nos EUA, que deixou a consultora onde trabalhava.
Depois da chegada da pandemia de covid-19 e da forma abrupta como mudou as nossas vidas, muitas pessoas passaram a questionar os seus estilos de vida. Esse questionamento também foi feito no âmbito do trabalho e das condições do mesmo. Muitas pessoas, têm trabalhos e chefes que não as inspiram e, por isso, procuram algo mais motivador para as suas vidas.
O trabalho remoto que foi incentivado durante a pandemia passou a ser desejado por muitos trabalhadores, mas no caso de alguns, não é possível, seja pelas circunstâncias específicas do trabalho, seja por falta de abertura das empresas.
Uma “recalibração” da vida
Assim, muitos trabalhadores sentem que precisam de uma “recalibração” e estão “a repensar o papel do trabalho nas suas vidas”, aponta à CNN Business um dos vice-presidentes da plataforma digital Slack, Brian Elliott.
“Estão a repensar – não apenas em termos dos salários – mas também, claramente, coisas como a flexibilidade, o propósito e o equilíbrio” com a vida pessoal, considera Elliott.
Este movimento de demissões sente-se, sobretudo, em setores como as Tecnologias e a Saúde, bem como em colaboradores que estão a meio das suas carreiras. Mas há uma série de áreas onde, apesar de haver bastante desempregados, faltam trabalhadores para preencher vagas.
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Até Beyoncé canta sobre A Grande Demissão
O mais recente single da Cantora Beyoncé, intitulado “Break My Soul”, parece apontar claramente para este fenómeno – e já há quem o aponte como o hino da Grande Demissão!
A cantora repete incessantemente, ao ritmo de um som que faz lembrar os anos de 1990, “You won´t break my soul” (Não vais quebrar a minha alma). Mas toda a letra parece reportar para este fenómeno da Grande Demissão…
I just fell in love (Acabei de me apaixonar)
And I just quit my job (E deixei o meu emprego)
I’m gonna find new drive (Vou encontrar uma nova motivação)
Damn, they work me so damn hard (Porra, fizeram-me trabalhar tanto)
Work by nine (Das nove)
Then off past five (Até depois das cinco)
And they work my nerves (E mexem-me com os nervos)
That’s why I cannot sleep at night (É por isso que não consigo dormir à noite)
I’m lookin’ for motivation (Estou à procura de motivação)
I’m lookin’ for a new foundation, yeah (Procuro uma nova base)
And I’m on that new vibration (E estou nessa nova vibração)
I’m buildin’ my own foundation, yeah (Estou a fundar a minha própria base)
Mas o que está a causar A Grande Demissão?
O Banco Goldman Sachs já alertou que este pode ser “um fenómeno de longo prazo” e uma “ameaça ao crescimento da Economia“. Mas porque é que as pessoas estão a abandonar agora os seus trabalhos?
Em 2020, quando a pandemia de covid-19 chegou, muitas pessoas sentiram os seus empregos em risco. A incerteza abalou quase toda a gente e as empresas tiveram que adaptar-se, apostando no trabalho remoto ou num modelo híbrido, com os colaboradores a deslocarem-se entre casa e escritório em sistemas de rotação.
Contudo, para muitas pessoas, esse foi um cenário difícil fruto das longas jornadas de trabalho, da pressão e da dificuldade em desligarem entre as vidas profissional e pessoal.
Começou, então, a falar-se de um burnout coletivo, com muitas pessoas exaustas, tendo que aturar os filhos em casa enquanto precisavam de cumprir as suas obrigações no trabalho.
Nos períodos de confinamento, muitas empresas mantiveram as operações em pleno e registaram lucros recorde. Isso levou muitos colaboradores a esperarem mais dos seus empregadores.
Quando algumas destas empresas exigiram aos trabalhadores o regresso aos escritórios, com o abrandar da pandemia, foi difícil para muitos. Afinal, se podiam trabalhar em casa, porquê regressar?
Neste período, também entrou em jogo a discussão da saúde mental e do bem-estar dos trabalhadores. Nunca se tinha falado tanto destes assuntos! Contudo, na prática, não se viram muitas melhorias nas empresas neste âmbito.
As pessoas querem mais e melhor
Neste cenário, os trabalhadores – alguns deles, pelo menos – tornaram-se mais exigentes. Assim, querem mais! E exigem equilíbrio entre a vida pessoal e profissional. Mas também ambicionam ter uma vida tranquila, sem pressões que abalem a sua saúde mental.
Além disso, querem fazer algo que as enriqueça, que acrescente as suas vidas, ao invés de se sujeitarem a tarefas mecânicas e ocas de sentido.
Querem também trabalhar para empresas em que acreditam verdadeiramente. E há quem esteja até disposto a ganhar menos para conseguir cumprir todos estes desejos.
A pandemia de covid-19 levou a uma reflexão em torno do que é mesmo importante na vida. Muitas pessoas perderam pais, filhos, familiares, amigos. Portanto, quando pensam no trabalho, que é onde passamos a maior parte dos nossos dias, querem algo que seja significativo.
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Aproveitar a mudança
As empresas têm a vida dificultada por este cenário, sendo cada vez mais difícil contratar e reter talentos. Assim, devem aproveitar A Grande Demissão para promover mudanças, adaptando-se às regras do jogo.
Nesta altura, os trabalhadores passam a ter “a faca e o queijo na mão”. Portanto, as empresas estão obrigadas a adaptar as suas estratégias, investindo em benefícios e eliminando culturas tóxicas.
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A saúde mental e o bem-estar são, cada vez mais, valores fundamentais. Assim, já não é só o salário que conta na hora de contratar.
É preciso promover um ambiente de trabalho saudável e também “estabelecer uma cultura de condições de trabalho individualizadas”, como refere a professora Isabell Welpe da Universidade Técnica de Munique (Alemanha), citada pelo Fórum Económico Mundial (WEF na sigla original em Inglês).
A investigadora nas áreas da liderança, inovação e organização realça que as empresas precisam de ser “bastante flexíveis nos horários de trabalho, nos locais de trabalho e nas configurações do local de trabalho”.
No fundo, as empresas devem adaptar-se às necessidades exclusivas dos trabalhadores se quiserem enfrentar este ambiente desafiante com sucesso.
Geração Z está a ganhar com A Grande Demissão
A onda de demissões está, para já, a beneficiar a Geração Z, ou seja, quem nasceu entre 1997 e 2012. Até agora, estes jovens foram os que mais saíram a ganhar com A Grande Demissão, segundo dados do LinkedIn e do Banco da América que são citados pelo Business Insider (BI).
A Geração Z está a aproveitar a escassez de mão-de-obra e a abertura para aceitar novas ofertas e mudar de trabalho para encontrar um emprego mais motivante, e para ganhar mais.
Em abril de 2022, as mudanças de emprego da Geração Z foram 29,5% superiores ao mesmo período do ano anterior, como refere o BI. Nos chamados millennials, ou seja, em quem nasceu entre 1981 e 1996, esse aumento de 2021 para 2022 foi de apenas 9,6%.
De resto, foi nesta Geração Z que ocorreu a maioria das mudanças de emprego nos últimos meses. O facto de ser a altura perfeita para experimentações, para perceber se, afinal, aquele é o trabalho que nos faz felizes, ajuda a explicar a tendência.
Mas também é um período em que há menores responsabilidades em termos de família, filhos, casas e carros para pagar. Portanto, isso também ajuda a arriscar uma mudança.
E mudar compensa! Pelo menos, é o que dizem os números do Banco da América citados pelo BI. No período entre maio de 2021 e abril de 2022, as mudanças de emprego da Geração Z significaram aumentos médios de cerca de 17,6% nos salários – é a percentagem mais alta em aumentos de ordenados em todas as gerações, como refere o BI.
Alto nível de qualificação, mas também poder negocial
É preciso notar que a Geração Z tem um nível de qualificação mais elevado em comparação com outras, o que pode também ajudar a explicar estes números. Contudo, também é preciso colocar em cima da mesa o “poder de negociação” que têm em mãos.
“Avaliam cuidadosamente os prós e os contras de cada oportunidade e estão dispostos a sair para uma empresa que se alinhe melhor com os seus valores e invista mais no desenvolvimento de competências e na progressão na carreira“, considera a Economista chefe do LinkedIn, Karin Kimbrough, em declarações ao BI.
“Neste mercado de trabalho apertado em que estamos, o poder de negociação está inclinado a favor do trabalhador, e a Geração Z está bem ciente disso”, salienta Kimbrough.
Assim, os jovens da Geração Z olham para o trabalho de forma mais crítica, pensando não apenas em termos financeiros e de empregabilidade. Mas também avaliam se aquele emprego vai ao encontro do que querem mesmo, ponderando benefícios e deveres.
Além disso, consideram até as questões éticas, podendo recusar empregos se as empresas não estiverem alinhadas com os seus valores.
Por outro lado, exigem maior flexibilidade de horários e o trabalho remoto é uma possibilidade quase obrigatória nas áreas que o permitem.
A Grande Demissão favorece quem procura emprego
Para lá de tudo isso e das gerações em si, este é um bom momento para procurar um novo emprego e para tentar garantir ganhos desta onda de demissões e da escassez de mão-de-obra – enquanto a situação durar porque ninguém sabe quando e se isto vai terminar.
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1 comentário em “Sabes o que é A Grande Demissão? Vê como afeta o trabalho (e porque até Beyoncé a canta)”
Artigo inspirador e é completamente verdade. E é um fenómeno global que vai mudar a forma como encaramos o emprego/trabalho.